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Almoço de domingo na Vila Leão

Outro dia conversando com o Altino Olimpio sobre minha crônica da Semana Santa, ele me fez recordar mais um episódio interessante.No domingo de Páscoa como em qualquer data festiva era comum, grandes preparativos culinários. Mas em tempos diferentes dos de hoje a realização dos pratos requeria das mulheres melhoramentinas um esforço antecipado.Lá na Vila Leão, a maioria das famílias criava em seus quintais,galinhas, patos, coelhos e porcos. A horta era obrigatória.Pães, bolos e massas eram aptidões natas das mulheres simples da época.Criavam-se animais e aves para sobreviver em tempos de pouca industrialização alimentar. Minha madrinha ao domingos pela manhã já saía no quintal e pelo galinheiro corria atrás da melhor ave para o almoço.Em seguida amarrava-lhe as pernas com trapos de pano imobilizando-a por completo.Segurando-a de cabeça para baixo, apoiando o corpo entre as pernas, dava-lhe uns dois puxões no pescoço “destroncando” a gorda e indefesa galinha.Depois de estrangulada, a galinha ainda permanecia em movimento, se debatendo por alguns minutos mais no chão, ao lado do tanque de lavar roupas.Enquanto isso, um enorme caldeirão de água fervia sobre a boca do fogão e esperava ardentemente o momento crucial do ato.

A galinha já imóvel era jogada dentro da água fervente e ali permanecia até que suas penas estivessem moles o suficiente para serem “arrancadas”. Saindo do caldeirão, a ave era depenada,por puxões rápidos e fortes,numa agilidade impressionante.O cheiro de penas quentes espalhava-se por toda casa mas era o prenúncio de apetitosa comida. Estas  penas retiradas eram separadas com esmero. A galinha peladinha,pálida e sem vida era colocada sobre uma tábua de madeira.Era aberta com uma enorme faca afiada no muro de cimento e num corte preciso era “repicada” sem dó ou piedade. A cabeça era descartada,o pescoço e pés separados para sopas e caldos. Os órgãos todos expostos eram extraídos pelas mãos habilidosas da minha madrinha e eram colocados ao lado numa outra vasilha.

Coração, rins,fígado tudo iria para a mesa.Mas tinha uma parte que recebia um tratamento especial e eu era sempre chamada para acompanhar: A limpeza da moela sempre cheia de areia e pedras  que me divertia e encantava (coisa de criança xereta).Morta,depenada e despedaçada a galinha recebia um bom tempero e um bom tempo no fogão transformando aquela tragédia toda num apetitoso almoço de domingo.E era o que importava de verdade.Esquecia-se da ave estrangulada se estrebuchando no chão.Esquecia-se do cheiro das penas e da moela empedrada.Esquecia-se até o trabalho imenso que minha madrinha tinha ao cozinhar para nós todos.Esquecíamos de tudo e só pensávamos naquela delicia enchendo nossos pratos e nos reunindo à mesa em almoços tão felizes.

Não foram somente em datas festivas que estes acontecimentos ocorreram. Por muitos anos presenciei as mesmas cenas, numa dedicação constante de se manter a união familiar. Cansaço foi palavra desconhecida para uma mulher sempre disposta a reunir filhos,parentes e amigos. Não havia queixa ou reclamação.Só alegria.Maior tristeza, talvez, só fosse o destino da pobre galinha.(risos)


Ah! Já ia me esquecendo! As penas, no dia seguinte, eram lavadas, espremidas e espalhadas numa bacia de alumínio .Ficavam dias ao sol.Secas, e limpas eram revestidas com uma capa branca confeccionada em casa mesmo, pelas mesmas mãos que aos domingos fazia nosso almoço.Enfronhadas viravam travesseiros cheirosos e macios que, por muito tempo acomodaram e aconchegaram nossas cabeças sempre tão cheias de sonhos e vontades.


FATIMA CHIATI 

COMENTÁRIOS

Que beleza de crônica. Só mesmo oriunda da cabeça da Fatima que mentalmente restaura o nosso passado. Quem ler esta crônica vai "viajar" pro passado e descer na Estação "Almoços Familiares" escassos hoje daqueles preparativos tão elementares quando pelos quais, aves e animais domesticados eram sacrificados na presença das crianças. Quem se lembra de quando foi criança daqueles tempos e assistiu tais cenas lembrar-se-a agora de quais foram seus pensamentos diante daqueles preparativos anteriores aos almoços e quais foram seus sentimentos naquela ocasião, bem como durante eles quando as famílias mais se reuniam.

Altino

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Gostei de sua crônica... Bons tempos em que as meninas ficavam aprendendo com suas mães, tias e madrinhas, as habilidades da cozinha...Como diz o ditado: "Ontem as meninas cozinhavam como suas mães...hoje bebem como seus pais!"

Nilson 

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Parabéns Fatima uma descrição perfeita da época, e quando se fala em porcos, galinhas, cabritos e outros mais para as festas familiares eu me lembro que todos ou quase todos moradores tinham em seus quintais aqueles fornos redondos que eram para essa ocasião.Eu me lembro que ia na casa do Sr Pedro Dela Rissa, e ele fazia um pão nesse forno, que eu nunca mais vi. Abç chico (Francisco de Oliveira)

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EU VI ESTA CENTENAS DE GALINHAS SE DEBATENDO E DEPOIS VIRANDO UM BELO ALMOÇO, PELAS MÃOS DE MINHA MÃE PARABÉNS MAIS UMA VEZ.................BÉLA CRÔNICA.TENHA UM ÓTIMO DIA.

RENATO

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Amigos, a Bernardinha é nota dez! (Fatima Bernardes de Caieiras)

edson

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que delicia de cronica,eu consegui me ver acompanhando minha mae fazendo as mesmas coisas,só que eu minha mae fazia ajudar na limpeza das penas,mas
o desfecho da vida e morte da galinha era o mesmo,kkkkkkk
bj - Vera Carvalho

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Então, esta crônica da Fatima retrata bem como era a nossa vida naqueles tempos quando a simplicidade era a nossa alegria. Mas, não sei se era alegria ver um frango se debatendo com o pescoço destroncado e ver alguém apunhalando um porco e falavam: Quem tem dó não pode ficar vendo porque senão o porco demora pra morrer.

Altino

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Pois é Edson... nunca imaginei que a morte de uma galinha pra um almoço de domingo fosse dar o que falar... e deu. Fátima

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Fatima, adorei sua descrição no Almoço de domingo.Através dela pude vivenciar a minha mãe neste dramático ritual galináceo.Se me permitisse queria acrescentar mais um detalhe : Após a depenação da penosa procedia-se  "o sapecar " da coitada . A ave era presa ,consistindo em segurar o bico com a mão esquerda e os pés pela mão direita.Girava-se o corpo sobre as chamas do fogão. E o cheiro? Ah! quem não se lembra! Coitada...

Walter Ferraresi

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