No dia 19 de dezembro de 1968, o Instituto Biológico de São Paulo perdeu prematuramente um de seus mais brilhantes pesquisadores, o Dr. Mário Meneguini, então chefe da Seção de Bioquímica Vegetal.
Nascido em Caieiras a 19 de agosto de 1914 passou sua infância na cidade natal, onde aprendeu as primeiras letras freqüentando diversas escolas rurais e grupos da região. Mais tarde cursou o Colégio “Oswaldo Cruz”, na capital paulista, no período noturno. Durante o dia, trabalhava como auxiliar de laboratório na fábrica de papel da Companhia Melhoramentos, em Caieiras.
Excelente estudante ingressou em 1935 na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”. Formou-se três anos depois, quando recebeu o prêmio “Epitácio Pessoa”, que era concedido ao aluno que mais se destacava durante o curso.
Enquanto estudante universitário foi diretor do Departamento Científico do Centro Acadêmico “Luiz de Queiroz” e teve seu encargo a folha agrícola semanal do Jornal de Piracicaba.
Em 1939, depois de um breve estágio na Secção de Genética do Instituto Agronômico de Campinas, foi convidado para substituir o assistente da cadeira de Química Agrícola da Escola Superior de Agricultura (E.S.A) “Luiz de Queiroz”, ali permanecendo por dois anos com a responsabilidade das aulas práticas e, não raro, das teóricas.
Foi contratado como assistente da Secção de Química do Instituto Agronômico do Norte, em Belém, Pará, no ano de 1942. Encarregado de organizar e chefiar uma expedição à região do Jaci-Paraná, fez um levantamento preliminar dos solos da região e, pela primeira vez, foram retiradas tecnicamente deles amostras que foram levadas para análise no instituto de Belém.
Dois anos depois, foi convidado para trabalhar na Secção de Fisiologia Vegetal do Instituto Biológico de São Paulo. A chamada “tristeza das laranjeiras” era então, o problema mais sério da citricultura e, talvez, de toda a fitopatologia. Tinha destruído os laranjais de Java e da Argentina, dizimava os nossos e ameaçavam os da Califórnia, nos Estados Unidos. Discutia-se, entre muitas hipóteses, a possibilidade de se tratar de uma incompatibilidade fisiológica entre o porta-enxerto de laranja azeda e o enxerto de laranja doce. Entretanto, os indícios de que a “tristeza” era uma doença infecciosa se acumulavam. Trabalhando arduamente e pesquisando essas duas possibilidades, Mário terminou por demonstrar, pela primeira vez, que a doença era uma virose transmitida pelo pulgão da laranjeira (Toxoptera citricidus).
Dois anos depois, tendo recebido do Governo do Estado de São Paulo uma bolsa de estudos, viajou para a Califórnia, permanecendo em Berkley até 1950. Durante sua estadia nos Estados Unidos, especializou-se em bioquímica e virologia vegetal, em colaboração com o professor Dr. C.C. Delwiche, como assistente de pesquisa do Departamento de Patologia Vegetal da universidade.
De volta ao Brasil, Meneguini prosseguiu seus estudos e pesquisas em bioquímica e virologia e, em 1954, com a ajuda do cientista Dr. Darcy M. Silva, purificou o vírus do mosaico do quenopódio. A importância desse trabalho consistiu, especialmente, no fato de ter sido este o primeiro vírus purificado no Brasil.
No mesmo ano, foi contemplado com outra bolsa, desta vez, da Fundação Guggenheim. Voltou a Berkley, agora como pesquisador associado do Departamento de Patologia Vegetal da Kearney Foundation, onde realizou importantes estudos.
Ainda em 1954, tornou-se encarregado de chefia da Secção de Bioquímica Vegetal do Instituto Biológico de São Paulo, cargo este que ocupou até seu falecimento. Com a ajuda de seus assistentes, continuou suas pesquisas sobre problemas da multiplicação dos vírus nas plantas e, de modo especial, das substâncias e processos que poderiam inibi-la, tendo-se em vista uma possível quimioterapia para doenças causadas por esses vírus.
Mário Meneguini foi um dos primeiros pesquisadores no Brasil a se interessar e trabalhar com ácidos nucléicos de vírus e das plantas. Nesse assunto, formulou inúmeras hipóteses básicas e, dentre elas, uma especial, que tratava do mecanismo de inibição do vírus do mosaico do fumo pela ação do ácido ribonucléico de fermento. Nesse trabalho, ele conjugou esforços para sua resolução a partir de 1963.
Trabalhando arduamente sobre esse assunto, chegou a conclusões que faziam do trabalho uma peça importantíssima dentro dos conhecimentos básicos da terapia dos vírus. Entretanto, por ser uma pesquisa tão importante, deteve-se prolongada e minuciosamente em cada passo do problema. Contra sua vontade, acabou vendo publicado por outros autores um trabalho análogo. Os dados de que dispunha eram suficientes para a elaboração de toda uma tese, mas teve que apresentá-los apenas como uma nota, que nem sequer pôde ver publicada.
Em 1965, o cientista caieirense começou seus estudos em mais dois assuntos, bastante atuais e importantes para a definição de inúmeros problemas teóricos e práticos dentro da bioquímica e da fitopatologia. Um deles, com a colaboração de técnicos de uma secção de fisiologia vegetal, referia-se a investigações sobre a germinação de sementes e fotomorfogênese, a respeito do que publicou diversos trabalhos científicos. O outro tema visava o estudo do mecanismo de resistência das plantas às doenças causadas por fungos e vírus, bem como das substâncias naturais envolvidas nesse mecanismo, capazes de conferir maior ou menor resistência às plantas.
Paralelamente, principiou pesquisas sobre a ação dos inseticidas, utilizando-se de material radioativo. Para o desenvolvimento desses trabalhos, montou um laboratório altamente especializado em pesquisas com radioisótopos.
Dr. Meneguini era membro de diversas sociedades científicas brasileiras e internacionais, tais como: Sigma-X, American Phytopathological Society, International Organization of Citrus Virologist, Sociedade Brasileira de Botânica, Sociedade Brasileira de Biologia e Medicina Nuclear e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC.
Ao lado das atividades científicas em geral, atuou especialmente em áreas do Instituto Biológico de São Paulo. Naquela entidade, foi coordenador dos planos de construção e montagem dos novos laboratórios de química e biologia e membro do Conselho Técnico-Administrativo e do Conselho Editorial dos Arquivos. Além disso, pertenceu a muitas comissões para tratar de assuntos técnicos e científicos. Por diversas vezes, executou também o cargo de chefe-substituto da Secção de Bioquímica e Farmacodinâmica do Instituto Biológico, já como chefe da Secção de Bioquímica Vegetal.
O cientista Dr. Meneguini é relembrado por todos que o conheceram com um especial carinho, pelo seu caráter humano, honesto e justo e pela sua mente extremamente perspicaz e brilhante. Cientista e filósofo, amante das artes, estava sempre disposto a orientar quando solicitado, mesmo em assunto fora de sua especialidade.
Sua biografia aponta para um homem, sobretudo inteligente, simples e modesto.
Texto baseado em publicação dos Arquivos do Instituto Biológico de São Paulo, 1969
(Traços Biográficos de Mário Meneguini).