Versão para impressão

14/04/2017
Meu Pai, minha referência para vida

É maravilhoso quando seu pai torna-se um não deus, mais um homem aos seus olhos – quando desce da montanha e você vê que ele é um homem, com fraquezas. E você o ama com um ser completo e não como uma figura de autoridade. Robin Williams.

Esse é meu saudoso pai, Richeto Menuchi, e seu inseparável Paraná no Bairro Fábrica de Papel. Eles se comunicavam por telepatia, um amoroso animal com percepção extraordinária.

Em sua mocidade, como também depois de casado papai gostava de bons bailes, dançava muitíssimo bem. Em regra geral quando os pais querem influenciar seus filhos devem plantar pelo menos uma “sementinha”, no meu caso, é possível, sempre gostei de dançar, poderia ser a contribuição da pureza de seu gene - sua influência foi automática. Tinha um gosto apurado de se trajar com rigorosa combinação na vestimenta.

Acompanhando-o quando garoto, costumávamos sair de Bonsucesso cruzando algumas “picadas” para visitar o primo Luciano Petroni na Vila Leão, Fábrica de Papel – memoráveis lembranças porque representava que tínhamos tempo para tudo (este parece que não passava), inclusive para se interessar pela parentela - os consanguíneos.

Obtínhamos esse tempo dedicando carinho, compreensão com as também diferenças pertinentes ao ser humano, o apreço às semelhanças era a energia da época. Nada se parece com os tempos atuais nesta maluca era que vivemos. Hoje temos o contato real através dos mais sofisticados aparelhos eletrônicos, podemos de imediato saber notícias, mas falta o contato físico, “olho no olho”. Esta distância causa-nos um esfriamento, falta o abraço carinhoso bem apertado, o aperto de mãos proferindo as palavras: como vai você? E sua família vai bem - fulano e beltrano como estão?

De volta ao nosso lar em nossos animais de montaria, vinha em minha mente se o progresso chegasse onde o caminho percorrido era todo frescor de mata virgem. Como oxigenar outras vezes nossos pulmões de tantos benefícios que a natureza nos proporcionava?

Antes que os raios luminosos despontassem no horizonte, percorríamos com grupos de corridas e em seu percurso o inigualável perfume do eucalipto, uma planta de ótimas propriedades no trato respiratório entre outros o óleo para mitigar o nervo ciático.

Mesmo em minha adolescência já tinha convicção que transformações seriam inevitáveis. As pessoas mudam, novas gerações, descendentes intrépidos e a Cia Melhoramentos certamente através de seus herdeiros iriam alienar parte ou todo de seu acervo patrimonial.

"O futuro não é um lugar onde estamos indo, mas um lugar que estamos criando. O caminho para ele não é encontrado, mas construído e o ato de fazê-lo muda tanto o realizador quando o destino." ANTOINE DE SAINT-EXUPÉRY

Anos após papai adoeceu, mas mesmo assim, trabalhando na Cia Melhoramentos de São Paulo em pedreiras do Bonsucesso, escavando morros com picaretas houve um acidente - havia necessidade de extração de pedras. Dado momento percebeu a queda de três pequenos detritos o que lhe chamou a atenção dizendo ao seu companheiro que deviam se afastar. Com a denegação deste, em ato contínuo uma enorme quantidade de terra, os cobriram.

Não é só a amizade do cavalo Paraná, havia também um cachorro chamado Valente que o seguia diuturnamente. Meus tios, dando falta por terem visto somente o animal decidiram ir ao local do trabalho tendo o cachorro em sua linguagem informando o local.

Seu companheiro infelizmente morreu. Meu pai sobreviveu. Conta-se que provavelmente a posição decúbito tenha-lhe proporcionado o salvamento visto a indispensável respiração.

Chega um momento da vida em que os filhos se tornam pais dos seus pais, devido à velhice ou doença destes. Assumir esta etapa nem sempre é fácil, pois os filhos estão mais acostumados a vê-los cheios de vitalidade, energia e independência. Como se preparar para esta situação ou como enfrentá-la quando já está presente?

A responsabilidade como filhos adultos é velar pelo bem-estar dos pais. Esta não é simplesmente uma maneira de recompensá-los por tudo o que fizeram pelos seus, mas, acima de tudo, um compromisso que confere a tranquilidade do dever cumprido, de entregar todo o amor recebido deles.

O passar do tempo nos traz a experiência, mas a sabedoria vem de maneira diferente. Ela chega com a vivência, entendimento, compreensão e aceitação das adversidades.

Aos 88 anos de idade bem vividos ele partiu para o caminho da liberdade, um caminho que um dia todos vamos seguir sem saber quando. Seu legado foi sempre divertido, brincalhão, inteligente, acolhedor de amigos, um marido apaixonado. A família teve o singular exemplo da ética, dos costumes, como o trabalho incansável de um verdadeiro espartano em proteção da prole.

Antoine de Saint-Exupéry afirmava:

"Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós.

Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós."

Revendo seus acervos e demais apontamentos encontrei o certificado outorgado pela Cia Melhoramentos de São Paulo, condecorando-o como “Menção Honrosa” fazendo jus ao distintivo de prata. Isto me projeta às lembranças porquanto eu o encontrava orgulhosamente uniformizado no cumprimento de seu dever de ofício. Agora só me resta a inextinguível lembrança e a plena convicção que segue o caminho da sua liberdade e que um dia sua família irá reencontrá-lo.

ANÍZIO MENUCHI

 


jas