Quem não se lembra dos engraxates em profusão pelo Brasil afora, dezenas deles por décadas na Estação da Luz em São Paulo. Hoje praticamente é uma profissão em extinção, sobrevivem na Praça da Sé mantendo a tradição.
Ao contrário do nosso País em Angola na Africa, País irmão de língua Portuguesa, eles estão de vento em popa e constituem uma importante fonte de renda local. São milhares e pleiteiam reconhecimento do Governo. Leia abaixo a excelente reportagem sobre o assunto feita pelo Jornal "Novo Jornal".
A arte secular ganha espaço e reconhecimento das autoridades governamentais e parceiros visando a valorização.
A caixinha de madeira, as latinhas de pomada de várias cores e as escovas de diversos feitios e tamanhos , identificam o profissional por detrás da montra. São às centenas, quiçá milhares espalhados por toda Angola. Do raiar do dia ao pôr do sol, faça sol ou haja chuva, esmeram-se para garantir limpeza e lustro aos calçados dos transeuntes.
A profissão vem de anos longínquos, sendo conhecida por todos os frequentadores da via pública. Nos dias que correm, ser engraxador representa um acto de autêntico heroísmo dadas as dificuldades encontradas no terreno, que vão desde a escassez de clientes à insegurança provocada pelos amigos do alheio. Muitos têm que percorrer longas distâncias para encontrar o melhor sítio para pousar bancada.
Mas a distância deixou de ser motivo de constrangimentos. O que importa mesmo é levar o pão para casa.
Estacionados em alguma esquina, ou na versão ambulante, as escovas e esponjas como nova descoberta, garantem o brilho nos calçados de pessoas exigentes com a aparência e requinte. Estudos feitos garantem que a profissão surgiu no ano de 1806 quando um operário poliu em sinal de respeito às botas de um general francês, sendo por isso recompensado com uma moeda de ouro. A profissão conhece reconhecimento em países como o Brasil, onde o dia 27 de Abril é consagrado ao engraxador.
Aposta do executivo
Em Angola, atento às dificuldades dos engraxadores, o Executivo através do Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança social (MAPTESS) lançou no dia 27 de Janeiro de 2017, o projecto “ Emprego e Cidadania de Engraxador”, que visava entre outros objectivos, a dignificação e reconhecimento da classe, através da emissão de cartões de identificação e retirada da actividade do quadro informal. A essa iniciativa, junta-se o projecto “ Paragem do Brilho”, uma iniciativa do governo de Luanda em parceria com a empresa Odebrecht, consubstanciado na construção e montagem de cadeiras de engraxadores em paragens de autocarros públicos nas principais artérias da cidade. As iniciativas conferiram maior dignidade e comodidade aos engraxadores e clientes.
Gente que faz
A reportagem do JE saiu à rua para aferir dados e factos sobre o dia-a-dia desses profissionais na província de Luanda. O primeiro ponto de paragem foi na avenida Cónego Manuel das Neves onde encontramos Florindo Alegria de 31 anos de idade e engraxador há cerca de um ano. Formado em pedagogia pelo institulo médio de formação de professores da província da Lunda Sul, o interlocutor entrou para o ofício por falta de outras oportunidades de emprego. A média diária de facturação ronda os mil kwanzas, dinheiro com o qual sustenta mulher e quatro filhos.
Elogia a iniciativa do governo no que diz respeito aos projectos tendentes a dignificar a profissão, mas lamenta o facto de não ter sido abrangente a todos os seus colegas. Focou o preconceito como um dos grandes constrangimentos para quem trabalha com a graxa por serem vistos por uma certa franja da sociedade como pessoas menores . “Gostaria que os projectos do Governo abrangessem todos os engraxadores”, disse. Na praça defronte da Igreja de São Domingos, outro ponto de referência no que a engraxadores diz respeito, encontramos o jovem Alberto Rangel, de 28 anos de idade, morador do bairro do Rangel. Antes de se dedicar à graxa, passou pelos ofícios de taxista e saqueiro. Enquadrado no projecto (Emprego e cidadania de engraxador), Alberto beneficiou de formação no Inefop. Órfão de pai e mãe, com os rendimentos da graxa que variam entre dois e cinco mil kwanzas/dia, sustenta a si, o filho e a namorada com quem pensa um dia constituir família. “É preciso saber escolher os produtos certos para não estragar os sapatos dos clientes” enfatizou.
Os motivos da escolha do ofício são variados. Uns pela dificuldade de emprego em outras áreas de actividade e outros pela necessidade urgente de dinheiro para fazer face às necessidades do dia-a-dia.
Êxodo e afirmação
A guerra vivida em Angola após as eleições de 1992 e que se arrastou até 2002, acabou por provocar o êxodo para os grandes centros urbanos, de grande número de cidadãos do interior, tendo como uma das consequências visíveis, o arrastar de muitos jovens para actividades que a partida estavam deslocadas dos seus sonhos e ambições.
É o caso de Mariano Cassoma Armando, de 32 anos de idade e morador no município de Cacuaco, que proveniente da província do Huambo, viu Luanda como o centro das oportunidades.
A experiência na graxa leva já dez anos e factura em média 3 mil kwanzas ao dia.
Pessoas amigas foram os principais impulsionadores para que entrasse no negócio por forma a fazer face às dificuldades e necessidades do dia-a-dia. O profissional, que montou bancada na avenida Rainha Jinga, gasta em média 800 kwanzas em táxis para chegar a baixa de Luanda. Anseia pela criação de postos de trabalho para que os jovens possam então sair da rua e contribuir de forma mais efectiva para o crescimento da Nação. “Gostaria que o governo activasse as indústrias que estão paralisadas para criar mais emprego”. A actividade vai garantindo o sustento de muitas famílias. Os custos, apesar de se tornarem avultados em função da subida dos preços dos materiais, acabam por ser superados pela facturação que regista preços variados. O valor mínimo cobrado pela graxa, encontrado pela nossa reportagem é de 100 kwanzas. A humilde profissão, para além de garantir sustento aos seus executantes, proporciona satisfação a quem aprecia o lustro no calçado.
Cuidados a ter para manter os calçados em prontidão
1- Tire os sapatos ao chegar a casa;
2- Limpe a sola com uma escova seca para retirar a poeira;
3- Deixe os sapatos a arejar de um dia para o outro;
4- De vez em quando, passe desinfectante nas solas e dentro do sapato;
5- Acostume-se a pôr bicarbonato de sódio dentro dos calçados, para absorver a humidade e eventuais odores;
6- Não deixe os calçados no quarto de banho, pois a humidade pode causar mofo;
7- Ainda que tenha muitos, use os sapatos todos com alguma frequência para evitar que se danifiquem por falta de uso;
8- Lembre-se que os seus calçados representam um investimento e como tal deve ser valorizado.
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A vida no brilho da graxa
11 Agosto 2017
AUTOR: CARLOS CARDOSO |
Obs. Português escrito e falado em Angola.