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27/01/2023
Poesia do eu

Advertencia: leia com seu eu poeta!

Quando o meu eu encontrar meu outro eu… a névoa densa, que empurra o algodão doce das minhas palavras, correrá em direção ao horizonte… e o outro eu acompanhará o adeus que ficará do cinza carregado, ao dourado assoprado, pelo despontar tímido do sol…

Então, um velho (eu) começa a desfazer-se, desprendendo átomo por átomo até o último instante de grão de matéria na existência corpórea…

Enquanto isto na esquina do além, as águas de meus prantos despencaram, como uma nuvem densa  já exaurida de seu peso. E caíram desastrosamente da grande altura entre os eus e não eus, inundando os caminhos que outrora foram de algum dos meus eus.

Tão pronto respingue a última gota do contato apressado desta partida, os lampejos da luz do sol apareceram…

É neste mesmo instante, enquanto as teias das aranhas que ainda dormem, que o orvalho deslizara pelo enredado, até também desaparecer antes de tocar a relva.

E ainda mais justamente entre o acinzentado da espessa bruma despetalando na quina do fim do porvir, e o sol perambulando nos gotejos das águas delicadas da noite….

Enquanto dormem os amantes extenuados, os amores rejeitados embargados nos copos esvaziados de veneno, enquanto as ratazanas recolhem as rebarbas das sobras do lixo do Central Park e o gato sem botas pula na janela de dona Emercinda sem dentes, enquanto a madrugada esconde o último abraço do marido que sai para não voltar, enquanto o trapento dobra sua única coberta estendida no chão da Praça da Sé…

… ... .que os meus eus encontraram com seus eus despertos, por despertar, adormecidos ou completamente incômodos para a eternidade.

É sempre enquanto?

Por que enquanto o mundo acontece?

Porque enquanto eu brinco com as palavras, me exonera de mim e busco na próxima opulência qualquer, a superfície que reflita meu novo eu!

É enquanto e sempre, porque nenhum de meus eus está só neste vasto platô repetitivo…

É enquanto no meio da ponte dois amigos se despedem para nunca mais… 

Enquanto as Marias atravessam as talas de madeira aferradas a cabos de aço, que suas bandejas de cocadas esfriam quase já no ponto do ônibus das 5:00…

Enquanto os pássaros banham-se nos penúltimos pingos de alguma água…

É tudo enquanto, o mesmo trem que chegou está partindo deixando a colombina um ano mais esperar!

 

Tanto, tanto que eu esperei  este meu eu.

É enquanto o tempo bate as primeiras horas do dia dos homens que eu me encontro com meu outro eu avivando e despedindo-se daquele que desfalece com a luz. 

Como eu que sou só eu e tantos eus não percebi que enquanto nossos eus despediam-se tão prontamente, outros eus nasciam e morriam?
Em atraso irei atrás de todos meus novos eus para nunca mais deixar de ser eu e meus eus!

Ahhhhh poesia da madrugada, deveria pintá-la se algum de meus eus segurasse com destreza um pincel! 

Ahhhhh poesia das noites longas, deveria cantá la se algum dos meus eus, fosse clave de sol ou de fa!

Ahhhhh,  poesia que se embaralha para assim ser poesia, poderia abandoná-la na certeza de um fracasso total sem sequer tentá-la. Assim como fazem os amantes conformados pela fragilidade de algum de seu "eu", frente a adversidade que espelha o amor.

Mas fui eu quem me arremessei da névoa densa enquanto a noite se despedia da metade deste círculo tragicômico chamado Terra…

Mas fui eu quem determinei que não sou nada além de mais um eu, dos meus ou dos tantos eus tentando ser poesia para quem não entende que poesia é ser livre….

É assim, por tudo isto, que meu eu quando encontra meus outros eus, liberta-se do agora e enquanto espera o fortuito gaguejar que já é hora, engasga logo com a mão na fechadura, e morre.

Porque para tantos eus, somente eu seguirei buscando meus eus!

Deixo a você , meu eu, o beijo que  sai de minha boca e toca minha mão suada, despejando no mundo do abstrato este eu que acaba de despedir-se.

Mas não seja medíocre, nem hipócrita, quiça um falso moralista.

Porque sei bem o que aquele seu eu despeja apressadamente atrás da porta vermelha do quintal das moças puras; sei bem que estrangula o eu doloso por opção, e enquanto ele morre perdidamente apaixonado, você desde então, exibe esta cara rotunda deste seu outro eu, moço bondoso.

Vai me dizer que nunca deixou este eu estirado?

 Antes que eu desperte, deste redondeio de “eus”, aqui deixo meu adeus a todos os “eus” que pari e  matei neste humilde poema cuspido por algum dos meus “eus”.

Daniele de Cassia Rotundo

E que em 2023 você seja quantos “eus” forem necessários pa