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18/08/2013
Uma questão de escolha

Imagine uma reunião ministerial, em Brasília, há mais ou menos dez anos, em que alguém sugere algo parecido com isso: “Precisamos incentivar a venda de veículos. Teremos engarrafamentos em São Paulo e no Rio, mas vamos gerar empregos. Além do mais, família que tem carro é uma família bem sucedida. Todos vão gostar”. Talvez não tenha sido assim. Nestes termos. Mas, na prática, foi o que aconteceu.

Na última década, com a redução do IPI para a compra de automóveis e a decisão de zerar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), o governo investiu mais de R$ 32 bilhões no transporte individual. Recursos que dariam para construir 1.500 quilômetros de corredores de ônibus ou 150 quilômetros de metrô. Assim, multiplicou os engarrafamentos, a poluição do ar, as emissões de CO2 e os acidentes de trânsito. Mais: ajudou a aumentar o preço das passagens de ônibus.

É isso mesmo. O incentivo ao uso de automóveis provocou, direta ou indiretamente, um reajuste das passagens acima da inflação. Simplificando uma conta que não é trivial, dá para dizer que o preço de uma passagem de ônibus é o resultado da divisão do custo do quilômetro rodado pelo número de passageiros pagantes. Esse custo aumentou nos últimos anos, principalmente por conta do preço do diesel. Já a quantidade de passageiros caiu 20%. Por quê? Porque os serviços são ruins, o preço alto afastou os mais pobres e ficou mais fácil comprar carro. Quem continuou viajando de ônibus pagou a conta.

Um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que, entre 2000 e 2012, as tarifas de ônibus subiram 192%, contra uma inflação, medida pela IPCA, de 125%. Enquanto isso, no mesmo período, o preço da gasolina aumentou 122%. Já os gastos com veículos particulares, incluindo compra, manutenção e tarifas de trânsito, tiveram um crescimento de apenas 44%. O mesmo trabalho registrou que entre os brasileiros mais pobres, cerca de 30% não usam o transporte coletivo por falta de dinheiro para pagar a passagem.

Voltando à hipotética reunião ministerial, quando o governo reduz o IPI dos carros e segura o preço da gasolina, não o faz para exibir o seu arsenal de ações perversas. Existem razões objetivas, como a intenção de acelerar o crescimento, incentivar a geração de empregos e segurar a inflação. Todas importantes. Ninguém quer a volta da inflação alta, que prejudica a todos. Em especial os mais carentes.

No entanto, são decisões que mostram a falta de compromisso com o planejamento e o foco no curto prazo. O que volta a acontecer agora nesse debate entre Petrobras e governo em torno de um novo aumento da gasolina. A empresa diz que é preciso aumentar para não perder competitividade. O governo teme a volta da inflação. É uma falsa polêmica. Ou, no mínimo, uma conta que não inclui todas as variáveis.

Cálculos da Rede Nossa São Paulo, indicam que, só na capital paulista, o prejuízo com os engarrafamentos chega a R$ 50 bilhões por ano. Estudos semelhantes da Coppe para o Rio de Janeiro, falam em R$ 27,2 bilhões. A Faculdade de Medicina da USP calcula que três mil pessoas morrem por ano, em São Paulo, vítimas da poluição atmosférica causada pelos carros. No Rio seriam cerca de duas mil.

Essas cifras não entram nas contas do Ministério da Fazenda. Se o incentivo à compra de veículos gera mais engarrafamentos, poluição, acidentes, mortes e prejuízos econômicos, o inverso também deve ser verdade. Se o IPI voltar ao normal, e a Petrobras puder gerenciar seus preços de acordo com o mercado, teremos menos carros, engarrafamentos, poluição, acidentes, mortes e prejuízos.

O mesmo vale para os preços das passagens de ônibus. Estudo feito pelo professor Samuel Pessôa, da FGV, mostrou que se a Cide voltasse a ser cobrada e representasse um aumento de R$ 0,50 no preço da gasolina, seria possível reduzir em R$ 1,20 o valor das passagens. A proposta, defendida pela Frente Nacional de Prefeitos, prevê um subsídio cruzado. Cada centavo a mais na Cide representaria centavos a menos nas passagens. Quem anda de carro ajuda a pagar o transporte coletivo.

O melhor é que o efeito dessa proposta na inflação é zero. Na verdade, a inflação poderia cair 0,026 pontos percentuais. Beneficiando 78% da população que vive com menos de 12 salários mínimos. O dinheiro economizado nas passagens voltaria para a economia via consumo, fazendo a roda girar novamente. Só que uma roda mais limpa, inteligente e sustentável. É só uma questão de escolha.


Agostinho Vieira - O Globo