08/08/2022
Antropocentrismo: uma outra verdade inconveniente.

Não é um texto ou pensamento ambiental alarmista, embora o título remeta ao tão aclamado documentário do ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore, ou mesmo às falas da “jovem experiente” Greta Thunberg. Apenas retrata uma reflexão simples e despretensiosa, com inúmeros vícios, de nossa sociedade e seus "valores". Talvez alguém diga que é apenas uma constatação óbvia e patética de nossos valores sociais e/ou existenciais. Que seja, a liberdade nos permite interpretar como achamos conveniente!

Diante de tantos dogmas existenciais, parece pouco provável que tenhamos uma leitura clara e objetiva de valores humanos em um macro contexto. Há quem diga que “o antropocentrismo foi um movimento ideológico que não perdurou muito tempo”. Afinal é evidente que nossa existência é pouco representativa no contexto do universo… mas, talvez alguma parte da sociedade ainda lute contra esta realidade inconveniente. Sendo unânime ou não, o fato não será alterado. Não importa o quanto lutamos contra ele!

A necessidade de sermos especiais tornou grande parte de nossos valores em realidades inconvenientes. Afinal, “como podem querer comparar nossa existência, importância e relevância com qualquer outra espécie ou mesmo contexto?” Este questionamento seria até mesmo irracional! E é justamente a racionalidade que nos torna diferentes e especiais, então isso não pode ser contra argumentado! Também há quem diga que “nossa capacidade de amar é única e divina”, o que pode indicar um vínculo entre a racionalidade e o desenvolvimento emocional… algo não muito aceito por grande parte da humanidade. "O amor é algo puro, divino e existente apenas aos seres racionais"… parece até uma blasfêmia questionar isso! Interessante e paradoxal este pensamento. Assim, no mínimo, o amor pode ser embasado no racionalismo, o que novamente ressalto que nós mesmos questionamos esta possibilidade! Muitos questionam e poderam: "Como comparar o nosso amor (divino) com algo existente em qualquer outro ser vivo? Afinal, eles são irracionais, não compreendem a essência de um sentimento!" Bom… tudo bem, não vou questionar! Afinal, somos “a imagem e semelhança do criador!” Seus filhos pródigos! E nosso criador é o próprio amor puro… “somos seus escolhidos!”

Ok… não se deve questionar isso! E de fato não o farei! Apenas vou embasar esta cláusula pétrea da nossa existência com a conceituação científica básica. A bioquímica evidencia a importância dos hormônios em nosso corpo material. Diferentes aspectos psiquiátricos, psicológicos, comportamentais, etc são regidos e moldados pela produção e manutenção hormonal, ou seja, não temos controle racional sobre eles, mas… embora eles determinem grande parte do que pensamos e consequentemente de como agimos, "nosso amor é divino!" Os efeitos hormonais sobre nossa racionalidade são popularmente evidenciados durante o período de menstruação das mulheres, na agressividade e desejo sexual dos jovens… fatos que ninguém pode negar! Mas, podem ser melhor compreendidos quando nosso corpo sofre com as mudanças temporais com o envelhecimento. “Sim”, realmente estas substâncias impulsionam nossa racionalidade, porém, uma razão pela qual não temos controle! Mas claro que isso não tem nada com nosso "sentimento divino de amor!!!" Dizem: "Os hormônios não afetam a alma e a grande essência do amor, que é transcendental, atemporal, onipresente e essencialmente humano!" É inconcebível achar que qualquer outro ser vivo tenha esta capacidade! Afinal, eles são irracionais e impulsionados apenas pelo instinto de sobrevivência e perpetuação da espécie, ou seja, são dominados pelos hormônios, não possuem a compreensão da alma e do existencialismo, não compreendem que são regidos pelo “criador celestial”, então não são capazes de amar devido "a pureza humana"… não são a imagem e semelhança do “grande arquiteto universal”, não possuem desenvolvimento espiritual, na realidade, nem compreendem que a vida transcende do momento material em que se encontram. Mas mesmo assim, claro que são importantes! Várias pessoas acreditam que cada ser vivo está em um estágio de desenvolvimento, e nós humanos, como “o ápice da evolução e da significação do criador”, compreendemos adequadamente o papel de cada espécie neste mundo. Porém, será que realmente o instinto de sobrevivência e perpetuação dos ditos organismos menos evoluídos, regidos pelos seus hormônios são tão diferentes, no ponto de vista prático, do nosso "amor puro"? Ou talvez, nós humanos, necessitamos criar subterfúgios para não aceitar que somos iguais aos demais seres vivos e consequentemente regidos irracionalmente por nossos hormônios?!?

Seja como for, a realidade que vivenciamos diz que somos “superiores”, seja filosoficamente ou espiritualmente. Porém é inquestionável nossa inquietação pela busca da razão existencial! Afinal, não somos como os demais seres vivos que têm apenas o instinto como guia de vida, somos racionais, com alma e desenvolvimento espiritual, além claro, do nosso amor celestial! Logo, temos que ter um papel de destaque neste contexto! Não podemos ser apenas criaturas materiais de relevância incipiente, como todos os outros seres vivos… então buscamos de diferentes formas, através de diversos caminhos, uma razão para nossa existência! Em muitos casos aceitamos "realidades" utópicas para justificar nossa significância… fugimos justamente da racionalidade (que nos diferencia das demais espécies) para acalmar a inquietação existencial… é mais cômodo e seguro "crer" nos mais variados cenários provenientes de nossa imaginação do que aceitar que nossa superioridade é apenas nosso próprio ego! Precisamos de criaturas supremas para nos guiar e julgar, e claro, ocasionalmente nos perdoar! Além de inferiores para nos castigar ou sentirmos a sensação de superioridade. Necessitamos de um complexo esquema enigmático para termos sentido de existir com nossa superioridade: céu, inferno, umbral, paraíso, encarnações, reencarnações, ressureição, karmas, darmas, iluminação, descanso eterno, anjos, arcanjos, querubins, serafins, santos, demônios, unicórnio, dragões, gnomos, duendes, bruxas, magos, feiticeiros, totens, gárgulas, carrancas, bonecos de barro e pano, espírito eterno, períspirito, alma, energia cósmica, haréns de virgens, pirâmides alienígenas, enigmas da esfinge, reptilianos, segredos de Fátima, divindade da vaca, templos, devoção, velas, incensos, cristais, borra do café, poder dos elementos, orações, canções, oferendas, sacrifícios, sublimação dos números, a forma das nuvens, os livros sagrados, Feng Shui, substâncias alucinógenas, a conjunção de Vênus, os anéis de Saturno, a organização estrelar, se Plutão é ou não planeta, florais, homeopatia, psicografia, João de Deus, Inri Cristo, Maomé, Buda, Coaching, etc… tudo para dar significância a nossa diferença existencial! Somos especiais e assim não há como nossa existência ser apenas algo dito tão superficial. “Somos parte de um plano divino!” Mas “não”, definitivamente não temos problemas de aceitação… não há arrogância em nosso julgamento… “somos racionais, não instintivos!” Temos o “amor divino”, e isso, mesmo que não praticado com o devido mérito, nos torna essenciais para o contexto universal!!! Nossa fuga da racionalidade para justificar nossa existência não é demagogia, incoerência ou efêmera ilusão! Então não temos problemas em dizer que o antropocentrismo foi um movimento do passado, que não reflete a realidade que vivenciamos na atualidade!


Com tanta ironia e sarcasmo, confesso que cheguei realmente a questionar esta reflexão! Mas, como tudo (menos nossa existência) este texto precisa de um final, então que seja complexo como nós… assim seu término fica a cargo de seus pensamentos racionais inundados pelo amor divino, afinal sua interpretação é tão digna quanto sua existencialidade!!!

Matheus Rotundo 



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